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terça-feira, 9 de julho de 2013

Vazio


A noite é como um olhar longo e claro de mulher.
Sinto-me só.
Em todas as coisas que me rodeiam
Há um desconhecimento completo da minha infelicidade.
A noite alta me espia pela janela
E eu, desamparado de tudo, desamparado de mim próprio
Olho as coisas em torno
Com um desconhecimento completo das coisas que me rodeiam.
Vago em mim mesmo, sozinho, perdido
Tudo é deserto, minha alma é vazia
E tem o silêncio grave dos templos abandonados.
Eu espio a noite pela janela
Ela tem a quietação maravilhosa do êxtase.
Mas os gatos embaixo me acordam gritando luxúrias
E eu penso que amanhã...
Mas a gata vê na rua um gato preto e grande
E foge do gato cinzento.
Eu espio a noite maravilhosa
Estranha como um olhar de carne.
Vejo na grade o gato cinzento olhando os amores da gata e do gato preto
Perco-me por momentos em antigas aventuras
E volto à alma vazia e silenciosa que não acorda mais
Nem à noite clara e longa como um olhar de mulher
Nem aos gritos luxuriosos dos gatos se amando na rua. 

(Vinicius de Moraes - Rio de Janeiro, 1933)

segunda-feira, 25 de julho de 2011

No Aguardo

Abrem-se as portas do futuro
E os livros acumulam poeira
Gravatas escapam dos cabides
Amo a dor que já não me dói.

Antes de entrar fumo um cigarro
- Oh! Fascínio do nada em loucura ataviado!
O vazio e a treva a morar nas pupilas
E hoje já é outro dia.

sexta-feira, 3 de junho de 2011

Beijo pouco, falo menos ainda

Venci o exame 
E a alma dormiu sem nenhum desejo.
Sigo a contemplar o lago mudo,
Vago, absorto, dormente,
Que a leve brisa estremece.

Encontro amigos, só, sem sonho ou pensamento,
Vácuo, o momento, o lugar,
E no letargo aniquilamento,
Respiro fumaça ampla,
Lúgubre,
Fúnebre,
Vazia!

Logo meu corpo entende-se com outro.
Beijo pouco,
Falo menos ainda...
Ela geme, ela sente, ela peida
E na noite nua me sorri tua alma
Nua, nua, nua...

Alguma coisa caiu e tiniu no infinito,
E súbito isto me bate:
Que o instante é o arremedo de uma coisa perdida...
Na alma meu corpo pesa-me!
Ouço a Esfinge rir por dentro.

quinta-feira, 19 de maio de 2011

Comovente Cheiro de Tinta



Oh! Madrugrada a me perseguir,
Que se une às mãos sujas de tinta..
Cada marca na tela é um grito na noite;
É um riso estrangulado!

terça-feira, 3 de maio de 2011

Noite Fria



Na cama fria
A fadiga de pensar
Vai até o fundo de existir.
"Sou o rosto de todos os cansaços
A dor de todas as angústias."

sexta-feira, 15 de abril de 2011

Os Sete Mandamentos de Pessoa


Dentro da noite, sigo conhecendo vida e obra do poeta lusitano...
Normalmente avesso a mandamentos e normas, sobretudo às que ensinam a vencer, do livro, saltam aos olhos e se unem ao espírito as seguintes:

1- Não tenhas opiniões firmes, nem creias demasiadamente no valor de tuas opiniões.
2 - Sê tolerante, porque não tens certeza de nada.
3 - Não julgues ninguém, porque não vês os motivos, mas sim os atos.
4 - Espera o melhor e prepara-te para o pior.
5 - Não mates nem estragues, porque não sabes o que é a vida, exceto que é um mistério.
6 - Não queiras reformar nada, porque não sabes a que leis as coisas obedecem.
7 - Faz por agir como os outros e pensar diferentemente deles.

segunda-feira, 11 de abril de 2011

Boa é a Vida, mas Melhor é o Sono


Os olhos seguem abertos na madrugada, e os pensamentos, transtornados, a reverberar as celebrações da semana.
Um sentido falsificado de pureza substituiu a fase que se encerrou, como virtude e castidade normalmente sucedem - na memória - ao que se acabou...
Me ofereceram cerimônias belas, inúteis e absurdas. Que são minhas, como a minha Hora!
Na terça-feira tive com o Messias de Nazaré. Reencontrei com Ele em Sua casa e Sua paz.
Na quarta fui açoitado pelo Diacho. Tinhoso, bagunçou o trânsito e quase frustrou meu diploma...
No sábado Dionísio finalmente me resgatou: transformei-me em leão e lutei com os gigantes que tentavam escalar o céu.
Como os bons amigos, a nova biografia de Fernando Pessoa me acompanhou nesse trajeto:

“Não fiz nada, bem sei, nem o farei,
Mas de não fazer nada isto tirei,
Que fazer tudo e nada é tudo o mesmo,
Quem sou é o espectro do que não serei.

Vivemos aos encontros do abandono
Sem verdade, sem dúvida nem dono.
Boa é a vida, mas melhor é o vinho.
O amor é bom, mas é melhor o sono.”
(Fernando Pessoa, sem título, 1931)  

quarta-feira, 30 de março de 2011

Perfume de Epicuro

Passado o exame! 
Resultado incerto,
Futuro incerto.

Granjeio o afável alívio na morte da ânsia,
Mascaro o medo mordaz do potencial fracasso...

Tenho com amigos. 
Permito que o incenso polua os novos hábitos:
A fumaça tem a cor da tangerina e o sabor da maresia,
camarão cheira a Serra da Canastra,
O pão de queijo emite um som estridente: não se ouve o mestre falar da mente!

Jazo na cama a lembrar do macaco Petrônio: 
- Eita bicho danado a atirar caca na cabeça dos outros!

Leio Petrônio:

“Por que me olham com o cenho franzido, ó Catões,/ e condenam uma obra dotada de uma simplicidade inaudita?/ Nela sorri a graça não austera da linguagem cristalina,/ e o que o povo faz, uma linguagem franca traduz./ Pois quem não sabe o que é uma relação sexual,/ quem desconhece os prazeres de Vênus?/ Quem proíbe aquecer os membros no leito tépido?/ O próprio pai da verdade, o douto Epicuro,/ recomendou essas coisas em sua doutrina/ e disse que essa é a finalidade da vida.” (Satíricon)

quinta-feira, 24 de março de 2011

Água Basta


O tempo urge! Descobri que a ninguém é dado viver em qualquer condição; e ante as grandes tarefas que tenho a resolver, que desafiam toda a minha força, disponho de opção muito limitada.
Percebi que uma indolência das entranhas tornada mau hábito, pequena que seja, basta inteiramente para tornar um gênio em algo mediano, algo existencialista; o clima paulistano em si já é suficiente para desencorajar vísceras fortes, de disposição heroica inclusive.
Novos hábitos tomaram corpo: Água basta... Tenho preferência por lugares onde se possa beber de fontes vivas... No entanto, por ora, garrafas de vidro fazem as vezes: um pequeno copo me segue como um cão.
In vino veritas: também nisso, agora, me acho em desacordo com o mundo quanto ao conceito de verdade – em mim paira o espírito sobre a água...